As artes marciais são de origem oriental e muito disciplinadora. Quando chegaram ao Brasil, tinham como finalidade o ensino da arte, das tradições. O tempo passou e as artes marciais foram se modificando, adequando-se aos padrões ocidentais e passaram a contemplar novas manifestações, como aulas em academias de ginásticas e os confrontos através de competições esportivas, visando a conquista de resultados ou títulos, deixando de ser arte marcial, passando a configurar-se como esporte.
A luta corporal caracterizado como esporte poderia ser compreendida como um empobrecimento das artes marciais, por tender a priorizar a busca de vitórias em detrimento da preservação das tradições orientais e dos valores de disciplina e respeito que delas derivam. Certamente, há riscos no tratamento da luta enquanto esporte, sobretudo quando se tem uma compreensão reduzida acerca do esporte, limitando-o aos aspectos metodológicos do treino e aos objetivos do esporte profissional.
Esta manifestação do esporte é apontada, por alguns autores, como prejudicial a saúde, devido aos treinamentos intensos e às constantes lesões. Nessa perspectiva corroboramos com Medina (1992, pg. 141), quando este diz “que não podemos entender que o esporte, por si só, possa significar saúde, educação e cultura, numa perspectiva de autentico desenvolvimento humano”.
Entretanto, o esporte hoje é uma manifestação sócio-cultural de múltiplos significados, sendo um deles o educacional, o que pode nos ajudar na compreensão das lutas neste contento. Galatti (2006), a partir de Paes (2002) aborda o esporte a partir dos diferentes contextos onde este se manifesta, observando que o mesmo apresenta inúmeras modalidades (tais quais o atletismo, o futebol, o tênis, a natação, as lutas entre outras já existentes ou que vem sendo construídas), em uma pluralidade de cenários (locais de prática), onde ainda mais personagens interagem (as pessoas que jogam, assim como aquelas que dirigem os jogos, tais como professores, técnicos, árbitros, dirigentes) e dão a ele uma infinidade de significados (por que se joga, corre, luta etc), nos dando, assim, a dimensão do esporte como fenômeno sócio-cultural de múltiplas manifestações.
Observa-se que o esporte está no centro de uma rede conexões, manifestando-se em diferentes contextos, não apenas nos grandes complexos esportivos onde atletas profissionais buscam vitórias e recordes como um meio de vida. Ao contrário, o esporte contemporâneo é praticado em diversos ambientes, com um caráter educacional que pode ser potencializado pelo professor ou técnico em qualquer um deles. Na figura, a palavra esporte poderia ser substituída pela palavra “luta”, e a mesma rede de interações se estabeleceria.
Apontamos, assim, que as lutas, tal qual o esporte de forma mais ampla, deve ser compreendida no século XXI pelas suas múltiplas possibilidades de prática e de contribuição para o desenvolvimento integral do ser humano. Essa premissa é essencial para avançarmos no estudo dos métodos de ensino e aprendizagem das lutas.
Sobre a sistematização de aulas, ao tratar do esporte Paes (2002) aponta a necessidade de atenção quanto a dois referenciais: o metodológico e o sócio-educativo, sendo que o primeiro envolve:
• Métodos de ensino e aprendizagem;
• Planejamento ao longo do período (mês, bimestre, semestre, ano...);
• Organização de cada aula/treino;
• Adequação da proposta ao grupo de trabalho;
• Aspectos Técnicos;
• Aspectos Táticos;
• Aspectos Físicos.
Embora os aspectos envolvidos neste referencial estejam bastante desenvolvidos em muitas modalidades esportivas, nas lutas, sobretudo as que não constam no programa olímpico, há ainda uma demanda por publicações nesse sentido. Por isso, neste livro, abordamos a questão do método de ensino das lutas e em especial do Karatê com as adequações necessárias para o alunos em idade infantil, na expectativa de fomentar o professor de lutas e/ou Educação Física para a elaboração de seu plano de ensino. Para ilustrar a proposta, serão apresentados, ainda, exemplos de atividades que envolvam os aspectos técnicos e táticos, já descritos anteriormente.
O referencial sócio-educativo, por sua vez, relaciona-se aos seguintes objetivos:
• Promover a discussão de princípios, valores e modos de comportamento;
• Propor a troca de papéis (colocar-se no lugar do outro);
• Promover a participação, inclusão, diversificação, a co-educação e a autonomia;
• Construir um ambiente favorável para desenvolvimento de relações intrapessoais e interpessoais (coletivas);
• Estabelecer relações entre o que acontece na aula de esportes com a vida em comunidade.
A preocupação com as possibilidades de educação pelo esporte constituem em tema mais recente nas publicações sobre esporte no Brasil, mas é um atributo que se relaciona às modalidades de luta desde sua inserção em nosso país, sobretudo quando tratamos das modalidades de origem oriental, que embutem valores daquela cultura, como a disciplina, respeito aos mais velhos e à hierarquia, entre outros. Entretanto, cuidados são necessários também nas lutas, sobretudo em relação às competições, que muitas vezes são estruturadas de forma a priorizar o vencedor em detrimento dos sentimentos das pessoas envolvidas no processo de competir; pela importância do tema, este será melhor abordado no próximo capítulo.
Observa-se, assim, a pluralidade de possibilidades educacionais do esporte e das modalidades de luta, seja a fim de difundir suas técnicas e modalidades ou com o intuito de promover e discutir valores, como destaca Paes (2002, p.94):
para efetivamente estruturar uma pedagogia do esporte, com o objetivo de contribuir com o processo educacional (...), é preciso avançar em outra direção. Nesse contexto, o referencial socioeducativo constitui-se um ponto sustentador (...) Esse referencial será contemplado na medida em que, além do enfoque técnico-tático, importante na pedagogia do esporte, também se levará em conta princípios indispensáveis para o desenvolvimento da personalidade da criança e do jovem. Destacam-se: cooperação, participação, convivência, emancipação e co-educação.
É importante, ainda, estar atento para o alerta de Montagner (1993):
“o esporte pode não ser educativo a priori, pois é preciso fazer dele um meio educacional, e o esporte só o será quando tiver por finalidade a transferência ao atleta (aluno) não só de conhecimento técnico-esportivo como também de valores culturais que possam levá-lo a um verdadeiro crescimento”.
A partir do autor, destacamos o papel do professor, como o mediador do processo de ensino, vivência e aprendizagem das modalidades de luta, devendo estar atento para potencializar os aspectos educacionais do esporte através de procedimentos pedagógicos que levem os alunos a refletir sobre sua prática e sobretudo sobre suas atitudes. Nesse sentido, apresentamos a reflexão de Belbenoit (1976 apud Scaglia, 1996): “O desporto não é educativo sobre todos os planos, a menos que um educador faça dele ao mesmo tempo um objeto e um meio de educação”.
Tradicionalmente, as lutas envolvem valores e modos de comportamento relacionados ao respeito, dedicação, confiança, auto-estima, visando o desenvolvimento integral do ser humano. Temia-se pela extinção destes com a formatação esportiva das lutas, o que pode não ocorrer, desde que o esporte e, por extensão, as lutas esportivas, seja compreendido como um fenômeno sócio-cultural repleto de possibilidades educacionais, como destacaram Montagner (1993), Paes (2002) e Galatti (2006).
![]() |
Pedagogia do Esporte Aplicada às Lutas. |
o livro está a venda com desconto especial. R$30,00 + envio.
emaildobreda@ymail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário